O Fonsequismo está apenas começando
Entre tantas outras coisas, o esporte ensina que nada acontece em um clique.
Fotos: ATP Tour
Em 1997, quando Gustavo Kuerten venceu pela primeira vez o Grand Slam de Roland Garros, em Paris, milhares de brasileiros acompanharam o que parecia ser a consagração de um novo ídolo, três anos após a morte de Ayrton Senna. Guga repetiu o feito mais duas vezes (2000 e 2001), além de ter conquistado outros grandes títulos e chegado ao posto de número 1 do disputadíssimo tênis mundial. Até hoje, ele é referência para crianças, inspira atletas e é amado por sua personalidade humilde e generosa.
Guga integra o seleto time de ídolos – aqueles que se destacam pelas conquistas, mas inspiram, principalmente, por tudo aquilo que são ou que representam.
A palavra ídolo tem origem no grego (eidolon), que remete a imagem, e entendo que a idolatria, nesses casos e em muitos outros, diz mais sobre a identificação que se tem com algumas pessoas (projeção) do que sobre adoração. É quando vemos no outro as características e os valores que tanto perseguimos ou admiramos. O espelho no qual gostamos de olhar, buscando em nós mesmos pequenas porções de virtuosidade.
Há 10 dias, em 16 de fevereiro de 2025, milhares de brasileiros se sentiram inspirados pelo carioca João Fonseca. Aos 18 anos, ele começa a empilhar feitos históricos no esporte de Guga. Ao vencer seu primeiro título no circuito profissional que abraça gigantes como Djokovic, Federer e Nadal, João desperta mais do que alegria pelas vitórias.
Ele inspira por ser como é.
Um atleta excepcional não se torna, necessariamente, um ídolo. Mas uma pessoa que reflete valores que nos são caros pode, sim, conquistar esse status. Não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. E é assim que o mundo do tênis começa a aplaudir o carioca: como pessoa.
João Fonseca traz a graça e a leveza de quem, em um mundo hiperconectado e ansioso, tem paciência e resiliência. O esporte ensina que nada acontece em um clique. Que nenhum talento supera o esforço hercúleo, diário, e que as derrotas são aprendizados permanentes. Na quadra, João faz gestos apontando ora para a cabeça, ora para o coração. É um equilíbrio que impressiona em um atleta tão jovem.
Assim como Roger Federer e seu ballet flutuante em quadra, João faz parecer fácil disparar um saque a 229 km/h ou um winner (bola vencedora) de forehand (no caso do João, de direita) a 190 km/h, como se o talento por si só tivesse o condão de elevar alguns bons ao Olimpo.
Não é assim. Ele conhece e respeita o processo.
Nota 1: aqui, poderia abrir um parágrafo para refletir sobre o contexto social que permite que jovens como ele se dediquem a um esporte que exige, tanto quanto esforço e talento, muito investimento financeiro, visto que demanda participação em torneios internacionais para conquistar pontuação, milhares de raquetes e trocas de cordas diárias, bolas novas, alimentação adequada, treinamento diário, fisioterapia, tranquilidade mental etc etc etc. No caso do Guga, por exemplo, houve ene obstáculos financeiros, além da perda precoce do pai, que ele e a família tiveram que enfrentar para chegar aos palcos mundiais – principalmente antes de os grandes patrocinadores aparecerem. João vem de uma família que pôde suportar todo esse investimento mesmo antes de a empresa da qual Federer é sócio (On) ter começado a investir no tenista. Não é um fator definidor, mas é determinante para, ao menos, retirar muitas pedras do caminho que outros atletas precisam driblar.
No entanto, não vou me aprofundar no contexto socioeconômico. Há outro aspecto que me leva à Nota 2.
Nota 2: como mãe, não posso deixar de admirar a “educação emocional” que João recebeu, as habilidades que ele teve espaço para desenvolver ao longo da infância. Um jovem de 18 anos com tamanho equilíbrio mental e emocional também é fruto de uma criação erguida sobre os pilares do respeito, do espaço para ser, da oitiva afetiva, do incentivo amoroso e da responsabilização coerente. Não imagino que ele tenha crescido em um ambiente tenso, ou que tenha ouvido que não era bom o suficiente, ou que “a culpa por A ou B” era dele, ou que tenha sido pressionado a treinar até cair no chão ou, muito menos, que tenha apanhado por não se esforçar o suficiente.
Uma criança tranquila se torna um adulto seguro, capaz de não se desesperar mesmo quando tudo foge ao seu controle. Capaz de enfrentar uma derrota arrasadora sem perder a confiança em si mesmo. Capaz de saber, sempre, que depois da chuva vem o sol e depois da tempestade vem a calmaria and so on. Sem que a angústia (que sim, vai aparecer) tome proporções indomáveis.
Se ainda hoje há pessoas que acreditam firmemente que é na dor que se aprende, eu prefiro pensar que é com amor que se fortalece e aprende – a “dor” é inevitável a todos, mas o que ensina não é ela, em si, mas como lidamos com ela sem causar prejuízo a nós mesmos e aos outros. E, de quebra, nos tornando mais e mais resilientes e… tranquilos. É possível?
Fato é que o Brasil está Fonsequizado! Contagiado pelo despertar de um atleta fora do comum, gentil, que respeita as pessoas, o esporte e o caminho. E é essa caminhada que vale a pena acompanhar. Ela virá com tombos, derrotas e percalços, como toda estrada para a excelência.
Torcer é justamente crescer junto com o atleta.